Os doces são marcantes, porque quem quer vender mais e vender melhor, tem que ser marcante.
Para quem volta de Marília a Bauru, depois que passar a cidade de Gália e dirigir mais uns 10 km, logo se depara com uma subida íngreme. Ali caminhões pesados sobem vagarosamente. Algumas carretas com suas cargas pesadas estão tão lentas que parecem paradas na pista. Mas, do lado direito, o motorista já começa a notar as faixas penduradas na cerca: goiabada cascão, mamão no cal virgem, linguiça caipira, licor de folha de figo, e por aí vai. São várias faixas penduradas, despertando o desejo do motorista que ali passa, muitas vezes cansado, com sede, com fome.
Outra faixa avisa: “Delícias da Vovó a 500 metros ”. Já passei várias vezes naquela estrada, e, fico imaginando os motoristas que ali passam. Quanto atrativo. Quanto doce. E são aqueles doces que não se encontra mais em qualquer lugar. Hoje a tendência é desenvolver um produto, industrializá-lo, criar uma identidade para ele, veicular de forma inesgotável, distribuir a todos os pontos de vendas possíveis e, pronto: ali está o ‘comércio’ de doces. Muito se gasta nisso. Planejamentos logísticos, gastos com pesquisas, estratégias comerciais, operações financeiras. Porém, entre Marília e Bauru, lá está o “Delícias da Vovó”.
Não tem propaganda na TV, não tem panfletagem nos semáforos. Mas tem algo que é difícil e oneroso para criar: o desejo vivo na lembrança de quem já provou aqueles doces. O proprietário Veneziano estava lá com a esposa, Dona Lúcia. No local já teve gente que tentou trabalhar, vendendo doces, inclusive, mas não obteve êxito.
Veneziano, conta que para muita gente ali para comprar, de todas as idades, mas quem gosta mesmo são aqueles que já experimentaram aquele tipo de doce, os adultos, que há muito tempo atrás a mãe, a avó, a tia fez, e hoje quando veem uma barraca daquela, ficam com a ‘lombriga atacada’. O proprietário ressalta que muitos caminhoneiros chegam ali cansados da viagem, viajantes solitários, e param pra conversar, desabafar, mas acabam seguindo viagem com potes de doce pra comer.
“Vó Lourdes e Vó Eurídes” são as avós de Veneziano, que faziam os doces na casa dele e deixava todo mundo, nada melhor que um trocadilho, com a vida adocicada. Inspirado nelas, Veneziano começou fazendo alguns doces, juntou 10 potes, e parou na saída da cidade de Gália. Em poucos minutos vendeu tudo. Depois, voltou com 100 potes. Não demorou muito e acabou tudo novament. Hoje ele fica entre Gália e Duartina, e seu ponto já é bem conhecido. Ônibus, carretas, carros, muita gente não resiste ao “chamado” das faixas, não resiste à lembrança do sabor dos doces.
“Estratégias de Marketing”
O “Delícias da Vovó” está em uma ótima localização. Na lateral da pista há um amplo espaço para os carros pararem, e isso facilita para os clientes. Mais que isso: o nome foi um grande insight. Veneziano contou que chegou a colocar a faixa com os dizeres: “Do jeito que a vovó fazia”. É um nome que mexe no coração de quem já comeu esse tipo de doce.
As histórias não faltam em poucos minutos de prosa. Veneziano lembra que ali já teve gente que chorou, porque quando provou o doce lembrou-se da mãe, da vó, e dos familiares antigos que faziam os doces. Também há histórias de clientes que esqueceram cachorro e até de uma mulher que esqueceu a bengala que usava quando desceu do carro pra comprar doces. Veneziano não perde a piada e diz que o doce além de gostoso é milagreiro.
Outra estratégia que o Sr Veneziano faz e faz bem feito: ninguém leva nada sem antes não experimentar. Tem bolachinha na mesa pra acompanhar com o doce. Dessa maneira fica fácil entender porque o Sr Veneziano e a Sra Lúcia contam que tem cliente que para na ida e na volta. O Sr Veneziano é tímido. Não quis sair na foto. Perguntei para ele qual o segredo de vender tanto. Ele diz: “tem que saber conversar e ter um doce gostoso”. Ele conclui: “Tem caminhoneiro que chega aqui depois de andar 2 mil quilômetros, cansado, querendo conversar, e, quando se percebe, já levou um monte de doces”. No “Delícias da Vovó também tem patê Sírio, feito por um amigo que trabalhou há 25 anos na casa de família Síria.
O Troco
Veneziano já perdeu o pai e o sogro para o câncer. E ele dá o troco: doa potes de doces para entidades que cuidam de pessoas com câncer. O proprietário trabalha de segunda a segunda, das 7 da manhã às 7 da noite. É dessa forma que Veneziano trabalha. Ele não vende doces: vende memórias antigas. Ele não vende abóbora, paçoca, queijo, mamão no cal virgem. Ele vende a volta para a infância. “Delícias da Vovó” vende a alegria que ainda está viva na memória. E, mais difícil ainda vai ser esquecer o quão gostoso são os doces que o Sr Veneziano vende. Realmente são marcantes. Pois, para vender bem e vender melhor, tem que ser marcante.
Autor: Gerson Christianini