Monólogos de um “vendedor”

Olhou no relógio. O ponteiro do relógio Omega marcava 8 e 15. Eram exatamente 15 minutos antes da visita marcada. O cliente pediu que fosse 8 e meia e já adiantou com voz firme no telefone que a visita não passaria de meia hora. As 9 ele teria compromisso com o diretor, a fim de resolver as pendências da nova unidade, a apenas 5 quilômetros dali. O estacionamento estava cheio. Depois de duas voltas ele encontrou lugar.

Desceu a mala, preparou os catálogos e se aprumou. Um grande negócio estava à espera. Ele esperou muito por isso. Foram cerca de 1 ano e meio de várias tentativas, todas sem sucesso. A nova fábrica atrasou porque a produção estava baixa e o investimento era alto para ser feito de uma vez só. O cliente também não queria financiar tudo com medo de que a crise invadisse sua porta.

Falando em porta, no caminho, várias portas já tinham sido fechadas. Ele, o vendedor,  estava com uma mancha de café em sua camisa azul que, segundo ele, passava credibilidade. Azul era uma cor que traduzia esperança e irradiava segurança.” As pessoas confiam mais em mim com essa camisa”, pensava todo dia de manhã. A marca era seu triunfo. Ele já tinha até trocado a caneta, escolhido uma mais fina, para que não tampasse a logomarca do jacaré em sua camisa. “Os clientes precisam me ver como uma pessoa de sucesso; afinal, quem compra de um derrotado?”, refletia costumeiramente.

Ao adentrar a recepção, pediu para ver o Sr cliente. Enquanto esperava, sentou-se em uma cadeira confortável à sua esquerda. Folheou uma revista, folheou outra. Eram 8 e 40, e o cliente não tinha atendido. Às 8 e 42, ufa. Lá vai ele direto para a sala de reunião. Ambiente frio, cheiro de madeira, e uma leve brisa iluminava o ambiente. O cliente chegou. Teve dificuldades para acender a luz.

Depois de um cumprimento caloroso, abriu o caderno, foi começar a explicar as suas necessidades, que haviam sido alterados por uma pequena correção do engenheiro. Mas o vendedor não tinha esperado à toa. Prontificou-se a falar. Munido de muitas informações técnicas, uma calculadora, e suas habituais gesticulações efusivas, o vendedor começou a destrinchar seu conhecimento. O ponteiro do relógio marcou 9 horas. Só percebeu porque o celular do cliente emitiu um sinal sonoro, avisando da próxima reunião. Mas, em respeito ao vendedor, e considerando que ele o tinha feito esperar por 12 minutos, decidiu estender. Avisou. “Olha, temos mais 10 minutos”, ok?

O vendedor respirou aliviado. Olhou para o relógio, cronometrou o tempo e, sem dar chance ao cliente, atacou mais uma vez.

Vendedor: – Meu produto, com 40 centímetros de largura e 10 centímetros de altura, de acordo com minha régua comprada na loja do Zé, com detalhes em bege e vermelho, frutos da combinação de laranja, verde, branco, azul, amarelo e marrom…

O comprador olhou no relógio.

Cliente:- Sr…

Vendedor: – Só um minuto, respondeu o vendedor. As cores são pintadas em textura X, com o pincel Y, provenientes da marca H. Aliás, gostaria que o Sr olhasse essas cores novamente. Elas têm detalhes bege e vermelho, com combinação de laranja, verde, branco, azul, amarelo e marrom…